Os tumores ósseos primários representam uma pequena parcela dos tumores em geral. Os sarcomas compõem um grupo de tumores heterogêneos bastante raros, um tipo de câncer que se desenvolve a partir de tecidos como ossos e músculos. E mesmo os ossos e os músculos corresponderem a 75% do peso corporal total, os tumores primários representam menos de 1% de todos os tumores dos adultos e de 3 a 8% dos tumores malignos pediátricos.
Por muito tempo a amputação do membro afetado era o tratamento mais indicado na presença desses tumores. A amputação, embora seja reconhecida como agressiva, era o tratamento que apresentava o melhor resultado até os anos 70 quando ainda não havia a opção de terapias adjuvantes como a quimioterapia e a radioterapia. Ainda assim, a taxa de sobrevida de 5 anos desses pacientes submetidos à cirurgia era menor de 20%, ou seja, mesmo após amputação registrava-se uma taxa de óbito alta por disseminação pulmonar.
Hoje a possibilidade da preservação de membros é uma realidade e o marco inicial do progresso para os pacientes portadores de osteossarcoma foi a introdução dos protocolos quimioterápicos. Fazendo com que as abordagens cirúrgicas se tornassem mais precisas. A terapia completa (quimioterapia, radioterapia e cirurgia) foi se aperfeiçoando cada vez mais fazendo com que diagnóstico e estadiamento ficassem cada vez mais certeiros aumentando as soluções terapêuticas.
Os tumores ósseos primários da criança e do adolescente acometem na maioria das vezes os ossos longos, principalmente na região do joelho.
O Grupo de Tumores Ósseos Primários é dividido em:
- Osteossarcoma → 56 %
- Tumores de Ewing → 34%
- Condossarcomas → 6%
- Outros tumores malignos específicos → 4%
OSTEOSSARCOMA
O osteossarcoma é o sarcoma primário do osso, sendo o mais comum em crianças, representando aproximadamente 20% de todos os sarcomas. Acomete a região metafisária de ossos longos sendo que em 50% dos casos atinge o joelho.
A incidência ocorre entre os 10 e 20 anos de idade com pico na adolescência, na fase do estirão puberal. A prevalência é maior nos meninos do que nas meninas.
Os fatores prognósticos estão relacionados à presença de metástases. 20% dos pacientes possuem metástases já ao diagnóstico sendo a do pulmão a mais comum e significativa. A fisioterapia desenvolve papel importante diante da complexidade destes casos para oferecer ao paciente condições pós operatórias adequadas com objetivo de manter bem estar global com a melhor função possível.
A raridade dos casos e as diversas soluções disponíveis fazem de quase todos os pacientes procedimentos inéditos. Dificilmente encontramos dois casos similares de osteossarcoma, fazendo a comunicação da equipe multiprofissional ser fundamental para o sucesso do tratamento.
OSTEOSSARCOMA: PLANO DE TRATAMENTO
O plano de tratamento inicia-se com a Quimioterapia Neoadjuvante, onde a criança ou adolescente é submetido a 12 ciclos de QT pré-operatória. Que possui função de redução do edema e do tumor, gerando efeitos sobre as micro-metástases que podem não aparecer nos exames de imagem. Após os ciclos de QT, o paciente passa por um intervalo e ao apresentar estado clínico adequado e recuperado é encaminhado para a cirurgia. Após cicatrização cirúrgica e novo intervalo, o paciente passa por mais 15 ciclos de QT pós-operatória.
SARCOMA DE EWING
A família de tumores de Ewing compreende uma neoplasia indiferenciada, derivada de células embrionárias:
- Pelve, fêmur, tíbia e úmero.
- Idade: 5 – 20 anos (raro antes dos 5 e após 30)
- Sexo: M > F
- 6% do total dos tumores ósseos malignos
- Invade partes moles formando um tumor com grande volume
O sarcoma de Ewing possui predileção pela diáfise dos ossos longos, ao contrário dos osteossarcomas. Para o protocolo de tratamento a quimioterapia também será administrada pelo menos por 9 semanas antes da cirurgia ou da radioterapia e é novamente aplicada após ressecção cirúrgica (geralmente um total de 14 a 15 ciclos).
Com os novos protocolos de quimioterapia a taxa de sobrevida livre de doença do osteossarcoma tem melhorado muito nos últimos anos..
TRATAMENTO DOS SARCOMAS ÓSSEOS
O tratamento dos sarcomas ósseos vai depender de:
- Diagnóstico preciso;
- Estadiamento tumoral – se é uma doença localizada ou metastática;
- Protocolo de tratamento adequado.
Cada tipo histológico possui condutas diferentes. Hoje em grande parte do Brasil é utilizado o Protocolo do Grupo de Tratamento Brasileiro de Osteossarcoma. Todos os brasileiros são submetidos, numa fase inicial, ao mesmo tipo de tratamento.
PRINCÍPIOS DA CIRURGIA ONCOLÓGICA
O principal objetivo da cirurgia oncológica curativa é remover o tumor primário com margens adequadas. A cirurgia não é econômica, o que pode levar a grandes defeitos ósseos que precisarão de substituição. Quando o tumor é removido é necessária uma solução protética ou biológica. Existem 4 tipos principais de cirurgias.
- Intralesional (curetagem)
- Marginal (potencialmente contaminada)
- Ampliada (zona racional respeitando a margem)
- Radical (todo o compartimento)
Normalmente é mais utilizada a cirurgia ampliada, quando se retira todo o tumor e a zona reacional em volta do tumor, e a radical.
AMPUTAÇÕES
Indicações para casos de amputações:
- Má resposta à quimioterapia.
- Acometimentos do feixe vásculo nervoso.
- Imaturidade esquelética (discrepância dos membros).
- Perda muscular extensa.
COMO REABILITAR O PACIENTE ONCOLÓGICO ORTOPÉDICO
O tratamento de sarcomas ósseos é bem sucedido hoje porque inclui:
- Preservação máxima da função física;
- Desafios adaptativos incomuns;
- Maturação esquelética;
- Mudança física, psicológica, social e vocacional.
Lidamos com esqueletos em desenvolvimento e por vezes essas crianças poderão ser submetidas a vários procedimentos conforme o esqueleto cresce. Portanto, os protocolos criados precisam ser fáceis de implementar e passíveis de adaptação de acordo com as necessidades individuais do paciente.
DESSENSIBILIZAÇÃO E ENFAIXAMENTO DO COTO
Ambos procedimentos se iniciam logo após a retirada dos pontos e cicatrização adequada. O que pode estar comprometido, principalmente se a criança tiver tido necessidade de iniciar quimioterapia antes mesmo da retirada dos pontos, o que pode acontecer a variar do estadiamento da doença.
A quimioterapia retarda o processo de cicatrização uma vez que promove neutropenia no paciente o predispondo a infecções. É necessário reforçar a necessidade de liberação médica para tais procedimentos a partir de discussão multidisciplinar, tanto com o oncologista quanto com o ortopedista, tendo em vista que a recuperação de hemograma e estabilidade clínica são essenciais para o paciente oncológico.
Essa criança possui perfil no qual a doença e o tratamento quimioterápico ou radiológico já irão consumir de forma importante, toda reserva energética, portanto, prevenir maiores complicações e infecções sempre será o maior objetivo, mesmo que para isso precisemos atrasar determinados procedimentos que julgamos essenciais.
CINESIOTERAPIA (FORTALECIMENTO MUSCULAR, AUMENTO DE FLEXIBILIDADE E PROPRIOCEPÇÃO)
A reabilitação motora inicia-se desde o momento pré cirúrgico com exercícios ativos para ambos os membros inferiores, resistidos ou não, com objetivo de ganho de força muscular ponderal, aumento de flexibilidade e manutenção da amplitude de movimento.
É sempre necessária a verificação do hemograma mais recente do paciente para determinação das abordagens fisioterapêuticas escolhidas. Uma vez que, se a criança possuir níveis muito baixos de plaquetas ou hemoglobinas (questões que podem ocorrer tanto devido a doença quanto por conta do próprio tratamento), não estará indicado treino resistido com cargas significativas, sendo talvez o momento de trazer o enfoque para terapias voltadas para função pulmonar, alongamentos e adequação postal.
O paciente não ficará inativo ou em repouso, sempre existe o que pode ser trabalhado nestes casos, algo mais intenso quando o paciente e seus exames permitem, e algo mais leve e aeróbico nos momentos em que for necessário.
Após a cirurgia a fisioterapia respiratória e motora já tem seu início dentro da unidade de terapia intensiva, desde manter este paciente em ortostatismo realizando adequação postural e descarga de peso, quanto fortalecimento e prevenção de encurtamentos em região do coto.
Manter força muscular adequada e qualidade do coto é fundamental, mas um dos principais objetivos após é a manutenção ou melhora do condicionamento cardiorrespiratório desta criança, principalmente pensando que após os 12 ou 15
ciclos de quimioterapia o paciente precisará estar recuperado e pronto para o processo de protetização. Isso pode ser realizado através de exercícios ativos em cadeia cinética aberta ou fechada, baseado em métodos como pilates, subida e descidas de escadas mesmo que utilizando muletas, bicicletas ergométricas, yoga, entre outras atividades.
Uma vez que verifico os exames atuais do paciente e o encontro com disposição física, a liberdade e a imaginação para tratá-lo da forma mais divertida possível, respeitando seus limites, fica a critério do fisioterapeuta responsável.
QUANDO PROTETIZAR?
Entre quatro e seis semanas após o final das sessões de quimioterapia, o paciente já obterá hemograma e sistema imunológico recuperados para início de protetização de forma propriamente dita.
É sempre importante falar que o processo de protetização já se inicia desde o momento no qual o paciente descobre sobre uma possível amputação. Pensando principalmente em questões como orientações e direcionamento no tratamento fisioterapêutico que facilitarão o encaixe do coto dentro da prótese.
Orientações e discussões sobre a prótese e a reabilitação como um todo são fundamentais de acontecerem desde o momento do diagnóstico de câncer com este paciente e sua família, e por isso a assistência multidisciplinar é tão importante.
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